Friday, July 27, 2007

Imagem de um Cachorro do Mato Vinagre, em habitat natutal.

Criptodoideras

Meus cinco leitores me admoestam porque já não escrevo tão frequentemente neste blog. Não é por falta de vontade. Há quatro ou cinco assuntos cuja opinião gostaria de publicar. Certamente o eventual leitor perdoará a prioridade outorgada ao trabalho, e a preguiça que me domina no tempo restante.

Uma das coisas de que gostaria de falar é sobre a descoberta do Professor Aharoni. Permitam-me...

Em 1839, o britânico George Robert, da Sociedade Zoológica de Londres, conseguiu as peles de uma espécie não identificada de roedor encontrada no Oriente Próximo, na região de Allepo, na moderna Síria. Do raro animal a civilização só conhecia as peles.

Quase cem anos depois, em 1920, um zoólogo da Universidade de Jerusalém, Professor Israel Aharoni, indagava-se se aquelas peles eram de um animal conhecido dos antigos assírios, descrito em documentos em aramaico e hebraico. Neles, falava-se de um bicho de estimação, mantido em casa pelas crianças, cuja carne era razoavelmente apreciada.

Entretanto, não havia qualquer descrição científica sobre o animal, que pensava-se extinto. Intrigado e não acreditando que o roedor pertenceria ao mundo dos fósseis, o Professor Aharoni resolveu arriscar sua reputação e partir em expedição para a Síria, ver se achava alguns exemplares vivos da criatura.

Dez anos depois, e somente com a ajuda de um guia local (Georgius Khalil Tah´na), provou o Professor que não estava louco. O animal ainda existia, e dele se capturaram três exemplares, duas fêmeas e um macho. Era, de fato, um bicho muito dócil e encantador: O hamster.

Todos os milhares exemplares domésticos e de pesquisa do hamster comum descendem daqueles capturados pelo Professor Aharoni. Na natureza, porém, o hamster continua sendo uma raridade: Voltaram-se a capturar exemplares selvagens apenas na década de 70.

Há dezenas de outros casos de animais lendários e pretensamente extintos que reapareceram, para a alegria de gente como eu. O mais famoso talvez seja o Celacanto, uma espécie primitiva de peixe, uma verdadeira relíquia biológica que habita o planeta há 400 milhões de anos, descoberto vivente em 1938, ao ser capturado em águas profundas no mar índico.

Curioso também é o caso do gorila-da-montanha, que era tido pela comunidade científica como lenda até ser incidentalmente descoberto por alemães em 1902. De repente, notou-se que as notícias de um hominídeo gigante oriundo das montanhas-florestadas da África não eram só história de pescador.

Há casos no Brasil também, vários.

Um deles é do cachorro-do-mato-vinagre (Spheotos venaticus), bicho dos mais interessantes. Das seis espécies de cachorros selvagens brasileiros, é o único que vive em matilhas, e que tem as membranas das patas ligadas, para poder nadar melhor! Muito bacana para um bicho que passa a maior parte do tempo em buracos no chão! Nada obstante suas esquisitices, é animal adoravelmente belo, e absolutamente raro, mesmo nos locais onde se sabe ainda presente.

Pois bem, até apreenderem um vivo no interior de Minas Gerais, em 1910, esse canídeo era tido como fóssil, mais um daqueles animais que se extinguiu em tempos recentes, como o tigre-da-tasmânia ou o dodô. Ou a preguiça-gigante... Bom, a preguiça-gigante...

Muita gente do interior do Amazonas afirma que ainda existem preguiças-gigantes, que já as viram, etc... Conheci uma. Os índios até tem um nome para este animal, mapinguari. Seria possível, no mundo devastado e poluído de hoje?

Tome-se como exemplo a reportagem seguinte, de 2004:

Maior espécie de porco-do-mato é descoberta da Amazônia
A descoberta de uma nova espécie de porco selvagem, muito maior do que as conhecidas, é a mais recente prova da imensa biodiversidade da Amazônia. O porco, chamado de caititu-mundé, foi descoberto pelo primatologista e especialista em biogeografia Marc van Roosmalen, holandês naturalizado brasileiro, há 30 anos no Brasil.
Roosmalen é famoso por suas descobertas de novas espécies de macacos amazônicos e em 2000 foi considerado um dos Heróis do Planeta da revista "Time" devido suas contribuições ao meio ambiente.
O caititu-mundé é motivo de surpresa por ser muito maior do que as três espécies de porco-do-mato conhecidas nas Américas do Sul e Central. Ele chega a 1,3 metro de comprimento, quase o dobro dos outros porcos selvagens encontrados no Brasil e mais do que a maior espécie conhecida até então destes animais, o porco-do-mato-do-chaco, que não existe no Brasil.
- Ele também é mais esbelto, tem pernas longas e é bem mais magro que as outras espécies - diz Roosmalen.
Além disso, segundo o cientista, o animal tem hábitos diferentes dos demais catitus ou catetos. Diferentemente deles, ele não anda em bandos, mas em casais.
Lugar: Web Fonte: globo.com Data da Notícia: 15/06/2004’

Já se vê que a descoberta de grandes mamíferos ou aves, ainda que difícil e improvável, não é impossível. Noutras palavras, não conseguir provar que há, não é provar que não há. Excelente lição essa, especialmente para aqueles dias em que achamos difícil perceber Deus ou o Seu Amor.

PS1: Criptozoologia é o nome da ciência que se dedica a estudar animais extintos.
PS2: Ao contrário do tigre-da-tasmânia, do dodô, ou da preguiça-gigante, a existência do pé-grande e do monstro do Ness nunca foi comprovada pela ciência.
PS3: Pesquisadores alegaram ter descoberto, em 2004, uma nova e “gigante” espécie de porco-do-mato no interior da Amazônia. A descoberta, em si mesmo, é sensacional, mas é preciso haver confirmação da comunidade científica, já que há o perigo de fraude.
PS4: Já foram realizadas várias expedições atrás de uma preguiça-gigante “viva” (fósseis e ossos são sempre encontrados), mas, todas infrutíferas. O máximo que se consegue é depoimento de gente que afirma ter visto a criatura.

Thursday, January 11, 2007


Sobre a Inexistência do Mal e outras Bobagens
Meus amigos por vezes se surpreendem com o fato de que não acredito no mal. Não, pelo menos, como se fosse algo real. É como se as coisas do mal não existissem para mim – ou, melhor dizendo, não fossem reais.

Quando falo isso, não quero dizer que nunca fiz ou me fizeram nenhuma “maldade”. Nem que não acredito na “maldade” das coisas ou das pessoas. Mas, verdadeiramente, não acredito que o mal tenha uma existência autônoma (explicarei a seguir), podendo existir por si só. E, definitivamente, não acredito em demônios ou feitiços.

Muita gente ainda vê o mundo segundo o Zoroastrismo. Como se sabe, o Zoroastrismo era a religião da Suméria antiga, uma das primeiras civilizações da humanidade (muitos cientistas falam que foi a primeira, mas duvido). Segundo essa fé, duas grandes forças atuariam sobre o Universo (o mundo): O bem e o mal. Essas grandes potências estariam em uma batalha constante por nossos corações e mentes, ora prevalecendo um, ora prevalecendo outro. Isso, com variações, é o que a grande maioria de nós acredita.

Esse raciocínio tem suas implicações. A maior delas é acreditar que no mundo das coisas não-criadas (e portanto, eternas, das coisas fora-do-tempo) existirá o bem e o mal. Deus seria o autor do bem, e (cruzes) o diabo seria o autor do mal.

Deixem-me interromper o raciocínio um pouco, tem um sabiá cantando (...)

Pois bem, como ia escrevendo, a conseqüência fatal dessa idéia é acreditar que fora-do-mundo existe tanto o bem como o mal, que ambas as coisas são reais e que estão em uma luta tremenda para ganhar o universo. Demonstramos acreditar nisso, por exemplo, quando admitimos que os pensamentos bons são obras de Deus e de seus anjos e os ruins do coisa-feia e de suas hostes. Ou, por exemplo, quando cremos que um espírito maligno, por si mesmo, pode nos fazer algum mal.

Em síntese: Que além de nós exista o Bem e o mal, Deus e o diabo.

Eu não penso nada disso. Minha elucubração teológica é um pouco diferente. Acredito que além do mundo só há Deus, que Ele é o Espírito, e que ele é Amor. Note: Além das coisas criadas, só há Deus, nada mais. Porque penso assim?

Se Deus é Deus, logo, Ele é Todo-Poderoso e todo Amor. Noto, Deus não é amoroso, ele é o Amor em si. Se não for Todo Poderoso e se não for Amor, não seria Deus. Deus é aquele que É! Ele é toda a onipotência e bondade que imaginamos e a que não podemos imaginar. Como ele É, então, Todo-Poderoso e Todo-Amor, ele não admitiria a existência do Diabo nas coisas fora do mundo. Mesmo se este último realmente existisse, como não é Deus, contra o Pai nada poderia fazer, porque Ele é a Onipotência em Si.

Portanto, ao pensar sobre a natureza de Deus, conclui-se que além do mundo só pode haver Deus. Se isto não fosse certo, devo repetir, então, não seria Deus, mas só um cara muito, muito poderoso, em luta com outro ser muito, muito forte. Mas assim não-é, porque o Todo-Sagrado é Todo-Onipotente.

Com efeito, há, então, duas coisas: O mundo criado e Deus (Não gosto de falar que Deus existe. Deus é Incriado. O verbo existir deve ser aplicado para as coisas criadas. Existe porque foi “criado”, porque “nasceu”. O Senhor É além disso! Ele mais-do-que-existe).

Sem embargo, mesmo para os que acreditam no mal, foi Deus quem criou o universo e o homem. E de fato, foi, pois só Ele pode Ser (ou seja, existir fora, além-do-mundo). Aqui reside outra idéia fundamental: Como Deus quis que pudéssemos amar, Ele nos criou livres. Podemos tomar as decisões que quisermos, pensar o que seja, desejar o que for. Somos livres. Assim Ele o fez porque não existe amor sem liberdade. Ninguém pode ser obrigado a amar. Só pode haver amor num ato de liberdade. Porém, ao permitir que fossemos livres, permitiu também, nosso Pai, que pudéssemos praticar o mal. Ou seja, a liberdade que temos para amar, será a mesma que temos para o mal, para o desamor.

Daí que o mal, quando e se existir, será fruto dos atos e do pensamento humano, conseqüência inequívoca de nossa própria liberdade.

Outra coisa que merece ser lembrada é que Deus-Pai não criaria coisas maldosas. Ele cria seres livres, que podem praticar tanto o bem como o mal e coisas neutras, que podem ser usadas tanto para o bem, como para o mal. Mas não criaria seres do mal, demônios ou espíritos malignos, ou coisas essencialmente ruins. A razão também é clara. Deus é Amor. Se não fosse Amor, não seria Deus. Como é Amor, e como Ele criou tudo o que há, não há coisas ruins criadas por ele. Quem é Amor só dá frutos de amor. Destarte, não se pode duvidar que as coisas ruins que existem são conseqüências nossas, coisas que advieram da nossa liberdade.

Por isso mesmo não acredito que possa haver espíritos do mal, demônios ou coisa assim. O coisa-ruim não poderia criar nada assim, Deus não o permitiria (na verdade, se o diabo pudesse criar, Deus não seria Deus. Mas Deus É o que É, “Sou aquilo que Sou”). Se existirem, são frutos dos atos e dos pensamentos humanos e, portanto, podem ser combatidos com pensamentos e atos bons, já que não terão qualquer força própria, não podendo existir sozinhos, sem nós.

Assim, ao invés de acreditar no mal, prefiro compara-lo com o zero, que precisa do número para valer. Ou com o nada, que só é notado quando se percebe algo. Ou com o vazio, que só se preenche com alguma coisa. Como a ausência de Deus, que só se preenche com Deus... Mas essa, enfim, é uma outra história.

Wednesday, December 13, 2006


Minha Vida, Meu Reino

Por vezes sou indagado sobre a razão que me leva a gostar tanto de Bizâncio. Quem me é próximo sabe que amo história e, nela, o Império Bizantino. Por isso, já escutei várias vezes a pergunta “Por que você gosta?”


É o tipo de sentença, a frase acima, que revela muito sobre nossa civilização. Ela nos diz, sem querer, que somos treinados para o utilitarismo, em função do “para que?”. Temos valor na medida em que nos tornamos úteis. Prova disso é que até tentamos responder essas perguntas: “Gosto de Bizâncio pela arte”, “Pela arquitetura” ou “Pela influência na civilização ocidental, principalmente os povos bálticos”...Seria como disséssemos “Estudo inglês porque a profissão exige” ou “Faço exercícios pela saúde”.


Eu não posso dar esse tipo de resposta e isso surpreende muita gente. Saber sobre o Império Romano do Oriente provavelmente não vai mudar em nada minha vida. Não sou historiador ou professor de história, não preciso saber de Bizâncio.


Mas é justamente por isso que gosto! O homem é o único animal que pode gostar de inutilidades. Aliás, eu amo aqueles que amam as inutilidades. Tento conhecer Bizâncio porque me dá prazer, ponto. Para aludir Santo Agostinho, que criou a definição das coisas que temos porque são úteis ou por prazer e necessidade, devo dizer que o Bizâncio certamente está na última categoria, na feira das fruições, da - deixe-me chamar - feira das alegrias.


Aliás, mangando de Agostinho, confesso que duvido seriamente daquela sua categorização. É que, quase invariavelmente, a emoção (prazer) vem antes da razão (utilidade). Por exemplo: Gosto da cor azul não porque ela me dá harmonia, paz. Sim, ela me causa tudo isso, mas o faz justamente porque dela gosto! O sentimento vem primeiro, depois a justificativa.


Mas posso sim, racionalmente falando, tentar explicar porque gosto desse assunto.


Vou tentar, mas não se surpreendam se não conseguir, porque é pura maluquice o que vou dizer... Bom, vamos lá. Um dia li a seguinte frase: “Minha vida, meu reino”. Com efeito, somos reis, no sentido em que tomamos decisões que afetam a nossa existência. Daí perguntei: Que tipo de reino seria o meu? Não pude achar outro que tivesse mais a “minha cara” do que Bizâncio.


É bem como ilustrou um historiador, ao escrever sobre essa civilização: “Bizâncio de fato não era nada além de uma tentativa de aceitar e de aplicar todas as implicações da Encarnação. Certamente esta tentativa tinha seus perigos: em particular os bizantinos sempre caíram no erro de identificar o reino terrestre de Bizâncio com o Reino de Deus, o povo grego com o povo de Deus. Certamente Bizâncio estava bastante aquém dos altos ideais em que se colocava, e suas falhas foram freqüentemente lamentáveis e desastrosas. As histórias da crueldade, violência e duplicidade de Bizâncio são bastante conhecidas para serem repetidas aqui. Elas são verdadeiras - mas tão somente parte da verdade. Pois atrás de todas as falhas de Bizâncio pode-se sempre discernir a grande visão na qual os bizantinos se inspiravam: fundar aqui na terra um ícone vivo do governo de Deus no céu.”


Mudando algo aqui e outro acolá, é uma ótima descrição do meu reino. E me “enxergar” assim vem se revelando cada vez mais útil, proveitoso. Mas essa é uma outra história. Quem tiver ouvidos, que escute!

Tuesday, October 24, 2006

Cantoria
A quem dos meus cinco leitores interessar possa: Desde o fim de agosto os sabiás estão cantando. Acabei de ouvir um, cujo som vinha de longe, melodioso. Eles enchem meu coração, especialmente quando a cantoria é de madrugada, e a música rasga a noite tocando nossos corações. Há muita poesia nesse cantar.
Os sabiás anunciam o último terço do ano. Estava com meu amigo Tashimica, no escritório, quando ouvi o primeiro, dia 30 de agosto. Foi só ouvir o sabiá-laranjeira que a tarde ficou toda iluminada. Apresentei o som para o Tashimica e lhe disse aquilo era sinal de fortuna. Que se tratava de um pássaro único que só canta em ocasiões especiais, para alegrar o dia e nos trazer sorte. Que abençoados são os que ouvem seu som...
E não é que lhe falei a verdade, mesmo?

England, sept., 2006.
É verdade que foi uma viagem apressada, decidida na segunda, executada na quinta. Mas viagens são assim mesmo. Senão não seriam viagens, seriam compromissos. Chega de compromisso. Quero me compromissar comigo.
Alguma experiência nova? Algumas. Peguei carona, dormi no aeroporto. Perderam e acharam minha bagagem. Mas, desta feita, nenhum equívoco em conta alguma (risos). As boas surpresas foram o sol, o calor moderado do início de outubro, as cores do outono, a ausência relativa de turistas...
Agora, que fiquei com saudades da Fazenda, ah, como fiquei!

Tuesday, September 12, 2006

Mosaico
Sempre amei mosaicos. Uma miríade de pedrinhas, das mais variadas cores, juntas, são capazes de formar um bela imagem. Foi a forma de arte mais elevada em Bizâncio.

A propósito dos mosaicos, peço gentileza para mencionar outro assunto. É o seguinte: Marco Aurélio, filósofo e imperador romano, abre seu livro “Meditações” com agradecimentos. “De Vero, meu avô, a boa moral e a calma. Da reputação e da memória de meu pai, a modéstia e a hombridade...” Com efeito, todo o primeiro capítulo de sua obra é um longo obrigado àqueles que, de alguma maneira, contribuíram para a formação de seu caráter. Algumas passagens são verdadeiros puxões-de-orelha: “De Alexandre, o Platônico: não falar a todo instante e sem necessidade, ou escrever, em cartas, que sou muito ocupado; nem desculpar-se sempre por negligenciar os deveres impostos por nossas relações com nossos conhecidos, alegando compromissos inadiáveis.”

Muito me impressionou esse capítulo. Ali, sem querer, Marco Aurélio ensina que muito do que somos devemos ao próximo. Aprendi, intuitivamente, que não sou uma ilha, e que coleciono partes dos outros em minha personalidade, em minhas ações. Trata-se, em verdade, de algo inevitável, natural. Agora, retornando ao tema, é como se a imagem do meu caráter fosse um mosaico, com várias quadradinhos, de várias cores. Umas pedras genuinamente leonardescas, outras da família, outras dos amigos, e algumas, ainda, de alguns autores que povoam minha biblioteca (e meu interior). Devo muito a esses últimos. Muito do que sou, devo a eles.

Por exemplo, Paulo Francis. Domingo e quartas, lá estava o Leonardo, lendo a coluna do Francis no Estadão. Li por tanto tempo que sabia quando ele estava melancólico, ou quando havia escrito sob a influência do éter (eram as melhores páginas). Domingos pela noite, assistia-o no Manhattan Connection. Quando morreu, a sensação que tive foi a de perder um amigo. Não teria mais a pessoa de sempre para “dialogar” a respeito de política, arte, cinema ou bobagens do cotidiano. Para suportar sua ausência, procurei comprar tudo o que ele publicou, inclusive os romances Cabeça de Negro e Filhas do Segundo Sexo (que, apesar da redação fabulosa, são chatíssimos).

O Francis muito influenciou meu pensamento político, minha forma de escrever, e, em muitos aspectos, a maneira que tenho de ver a vida e a sociedade. Achava-o a própria encarnação do super-homem de Nietzsche, na medida em que não se preocupava com a opinião dos outros, ao emitir a sua. Do Paulo, diria, herdei a tendência de ser franco, por vezes até estoicamente franco, de tratar os adultos como... adultos. É uma herança e tanto.

Outra presença poderosa é a do Roberto Campos. Bob Fields foi a pessoa que me fez querer ter uma cultura enciclopédica, uma sabedoria inútil. Acho que ele é o responsável pelo feitiço que me fez acreditar que ser culto é ser elegante. Seu português escorreito e direto, seu humor finíssimo (que queria poder imitar), e sua ilustração vasta muito me encantam. Campos é um amigo que partilha comigo a paixão de colecionar “estórias”, em saber o inútil, aquilo que não servirá absolutamente para nada, a não ser, talvez, para jogar conversa fora.

No Direito, minha maior influência, de longe, foi o Alfredo Becker. Coisa perigosa! Seu pequeno livro “Carnaval Tributário” me foi uma como uma revolução. É talvez graças ao Becker que nunca acreditei que Direito tem alguma coisa a ver com Justiça. Pior: Por obra dele que sempre estive atendo às vaidades da minha profissão. Uma ou duas outras lições também devo a este autor. A primeira é a de que antes do profissional tem que vir o homem, senão nada fará sentido. Outra é a de que atrás da capa amarela e feia do processo, ou do código legal, cuida-se de vidas de carne e osso.

Claro que também me entorpeci de filósofos. Mas não vejo muitos filósofos vivos em mim, salvo, talvez, o estóico Sêneca. O estoicismo me perturbou demais na adolescência. Foi difícil superar a tirania da razão sobre a emoção. Eventualmente, consegui. Também gosto do Fichte, do Nietzsche e, claro, do místico Spinoza. Maior, devo admitir, foi o impacto dos historiadores. Há muitos deles festejando em minha alma. Destaque-se o Will Durant, que, com a escrita, faz a história parecer arte. Outro é o Maurice Crouzet, lamentavelmente, também, francês. Deles percebi que escrever e ensinar é, antes de tudo, seduzir. Grande sedutores são esses dois!

Para não cometer uma injustiça, quero mencionar uma bizarrice. Sim, outra excentricidade. É que o bizantinista Warren Treadgold está gritando, dentro de mim, para ser mencionado. Tudo bem, concordo. Mas do Warren não tenho nada. Quando li o seu adorável livro, O Renascimento Bizantino (que amei de paixão), já gostava, e muito, do império romano do oriente. Assim, o menciono apenas para tranqüilizar a minha consciência, e atender ao pedido de um amigo.

Grande impacto, mesmo, recebo de autores ligados à Teologia (ou esoterismo, ou misticismo, depende da fé do leitor). Não conhecia gente boa neste campo, salvo, talvez, o Nilton Bonder e o Joseph Campbell (li alguns do Deepak Chopra mas não me envolvi). Isso até colidir com o Emmet Fox. A “raposa” me era um ilustre desconhecido até que, quatro anos atrás, comprei um livro seu (O Sermão na Montanha). Hoje tenho quatro, quase todos trelidos. Sua leitura é repetitiva, piegas, meio auto-ajuda, mas, de fato, é quem melhor me ensinou a interpretar a Escritura Sagrada! A este autor tenho, antes de tudo, gratidão. Afinal, ele é um dos que me ensinou a sentir e entender a Bíblia... precisa dizer mais?

Mas penso que meu maior companheiro nos livros, grande influência de vida e conselheiro fiel seja outro Teólogo. Um que escreve sobre educação e coisas da vida, que gosta de ensinar, que ama a Natureza. O Rubens Alves.

O Rubens é - pelo menos esse dos livros – alguém muito parecido comigo (melhor dizer, eu com ele). Digo, há coisas que leio dele e falo, “Deus, isso sou eu”. Não é loucura. Um amigo meu do mundo dos reais, o André, um dia me disse que viu uma crônica do Rubens sobre os ipês e que achou que eu que tinha escrito! De sorte que é falsidade falar que o Rubão me influenciou, deu sua contribuição para o mosaico de minha personalidade. Parece mais um caso de muita semelhança, só. Ou talvez a influência tenha sido tão profunda que não saiba mais onde termino e onde ele começa. Tanto faz. Querem ver como vejo a vida, leiam Rubens Alves.

Ou talvez, se quiserem, peguem um atalho com o Kenneth Clark. Ele também é parecido comigo. Vejam só o que ele disse, ao terminar o seu livro “Civilização”: “A esta altura” escreve, em tom de suspense, “vou revelar-me como realmente sou: um quadrado”. De fato!

Eu adoro ser um quadrado. Desse que podem ser usados para fazer mosaicos.

Tuesday, August 08, 2006


O Bom mesmo é o Sorriso no Rosto. Quanto vale um sorriso? Vale uma vida inteira.
Oblívio

Oblívio é uma palavra que significa esquecimento total, eterno. Acho-a linda. Há horas em que quero esquecer. Perguntaram-me, dia desses, do que tenho medo. Disse que da ignorância, em todas as suas formas, desde aquela causada pela ausência do bom-senso, como a que advém pela ausência de escolaridade, ou a do fanatismo mesmo.

Mas me preocupo em especial com a ignorância que advém do excesso de escolaridade (educação formal está longe de significar sabedoria), ou da autoconfiança em demasia.

Explico.

As pessoas acham que a primeira guerra moderna foi a do Iraque, em 1991. Verdade, do ponto de vista da tecnologia. Muita informação. Bombardeios ordenados on line e transmitidos ao vivo. Um bang bang em tempo real. Mas do ponto de vista da historiografia militar, entretanto, a primeira guerra moderna foi a do Vietnã. No Iraque os exércitos ainda lutavam com exércitos. Havia mapas, fronteiras definidas, alvos a serem atacados e destruídos. Na guerra moderna, por outro lado, isso tudo é luxo. Os generais não sabem o que atacar, o que destruir e conquistar, e, mais das vezes, lutam contra um inimigo invisível. Melhor dizendo: Todos podem ser o inimigo. Não há fronteira ou mapa que informe a situação. É como se tivessem aplicado a teoria do caos à ciência militar.

A primeira vez que se viu uma guerra assim foi no Vietnã. Um inimigo invisível, determinado, perigoso, que podia atacar de qualquer lado, que podia ser qualquer um.

Agora esse conflito no Líbano. Às vezes – sei que é maluquice - fico pensando no general judeu encarregado da invasão. Rezo por ele. É certamente muito competente, condecorado, capaz. E, como bom judeu, ardente na fé. Passou anos na academia militar. Mas pouco do que estudou pode ser aproveitado nesse novo mundo. Certamente, não sabe sequer por onde começar a desmontar o Hezbollah.

O que se aprende nos colégios militares? A tomar decisões. Para tanto, assim como os físicos estudam física, e os juristas a lei e a jurisprudência, os militares apreendem se as decisões tomadas nas batalhas do passado foram certas ou erradas. Noutras palavras, estudam as famosas escaramuças bélicas, manobras e táticas, que foram aplicadas, todas, contra inimigo visível, que queria defender seu território, ou ganhar o território do outro. Não sem razão, vencer, na guerra antiga, era manter ou obter território.

Sucede, entretanto, que na nova guerra não há território. Não há linha de frente ou campo de batalha. Não há, sequer, exército inimigo. Tudo o que os militares aprenderam é inútil. Obsoleto.

Não há nada nos livros que ensine a vencer essa nova guerra.
E é justamente por isso que ela não pode ser vencida.
Não, pelo menos, através da ciência militar.

Então, imaginando o comandante judeu, penso nele atacando uma cidade... Onde bombardear? Onde invadir? Onde ocupar e vistoriar? O que manter e proteger? Todos sabem que, logo que ele desocupar a cidade, o Hezbollah aparecerá novamente com mais foguetes, com novos mísseis.

Não é assim que se vence um inimigo oculto, um exército de anônimos.

Então, no que importa dizer, é a ignorância oriunda do excesso de instrução (ainda que obsoleta) e da auto-confiança que está provocando essa confusão toda. Claro que o governo libanês tem sua parcela de responsabilidade por nada ter feito contra a milícia terrorista que opera em seu território (O século XXI será o século das responsabilidades, assim como o XX foi o século dos direitos). Mas Israel tem mais culpa ainda por acreditar que isso tudo pode ser resolvido através da força bruta. Agora estão em um mato sem cachorro, exatamente como os norte-americanos quarenta anos atrás. É ridículo constatar a incapacidade humana de não repetir erros já cometidos na história.

A única coisa que Israel conseguirá com essa invasão é treinar uma nova geração de terroristas.

Por isso que essa guerra tem acabar, imediatamente, e cair no oblívio.

Justamente como esse desabafo.

Monday, June 26, 2006

Cristo Basileu
Sempre gostei muito de imagens religiosas, especialmente as de origem bizantina. Essa acima, por exemplo, é do séc. XI, e está na magnífica igreja de Hagia Sofia, em Istambul. Representa o Cristo-Monarca, no seu trono, rodeados pelo imperador e pela basilissa (imperatriz).
Os bizantinos acreditavam que eles eram o novo povo de Deus, a sociedade escolhida na Terra para levar a fé aos outros povos. Não sem razão, os imperadores sempre procuravam justificar sua ascensão ao trono segundo um favor divino. Os imperadores (Basileus) seriam verdadeiros representantes de Deus na Terra. Curioso notar, entretanto, que nunca governavam em nome próprio, e sim em nome do Cristo-Deus, Ele sim, verdadeiro monarca (daí a expressão Cristo-Basileu).
Se imaginarmos que nossa vida é um reino, dom de Deus, se torna muito bacana a aplicação da mística acima.
Não se deve acreditar, por outro lado, que a própria imagem é o Senhor. Ao contrário. A imagem é "santa" apenas na medida em que nos lembra da existência do transcendente, do Espírito. Mas ela jamais deve se confunde com Ele, sob pena de comertermos idolatria.
Essa era uma preocupação, aliás, que atormentava os próprios bizantinos. Com efeito, durante sua época negra, no século VIII, o império do Oriente chegou a proibir a veneração de imagens, tal como o islã faz. Na época, os bizantinos pensaram que suas derrotas no campo de batalha eram punição de Deus, devido ao "culto" de imagens. Depois, porém, se assentou a idéia de que imagem não é, nem deve, ser adorada (imagem não é Deus), mas sim, venerada, de maneira que logo no começo do século IX elas voltaram a ser permitidas pelo Estado.
Bom para a civilização, já que isso permitiu a feitura de alguns dos mais bonitos mosaicos que o mundo conhece, como esse da foto acima.
Outra coisa curiosa dessa imagem é a presença de uma mulher, a imperatriz. Com efeito, na sociedade bizantina as mulheres gozavam de relativa independência e autonomia, em relação aos demais povos. Aliás, em nenhuma outra sociedade medieval do século XI se iria retratar a esposa do rei em uma figura oficial. Com efeito, Bizâncio é o único estado medieval onde existiram Rainhas, que governavam sozinhas ou em nome dos filhos (e não em nome do marido).
É legal perceber quanta informação, além de beleza, pode se enconder atrás de uma simples imagem.
Bizâncio morreu há muito tempo. Mas algo de seu espírito vive dentro de mim.
Grande abraço a todos.