Wednesday, December 13, 2006


Minha Vida, Meu Reino

Por vezes sou indagado sobre a razão que me leva a gostar tanto de Bizâncio. Quem me é próximo sabe que amo história e, nela, o Império Bizantino. Por isso, já escutei várias vezes a pergunta “Por que você gosta?”


É o tipo de sentença, a frase acima, que revela muito sobre nossa civilização. Ela nos diz, sem querer, que somos treinados para o utilitarismo, em função do “para que?”. Temos valor na medida em que nos tornamos úteis. Prova disso é que até tentamos responder essas perguntas: “Gosto de Bizâncio pela arte”, “Pela arquitetura” ou “Pela influência na civilização ocidental, principalmente os povos bálticos”...Seria como disséssemos “Estudo inglês porque a profissão exige” ou “Faço exercícios pela saúde”.


Eu não posso dar esse tipo de resposta e isso surpreende muita gente. Saber sobre o Império Romano do Oriente provavelmente não vai mudar em nada minha vida. Não sou historiador ou professor de história, não preciso saber de Bizâncio.


Mas é justamente por isso que gosto! O homem é o único animal que pode gostar de inutilidades. Aliás, eu amo aqueles que amam as inutilidades. Tento conhecer Bizâncio porque me dá prazer, ponto. Para aludir Santo Agostinho, que criou a definição das coisas que temos porque são úteis ou por prazer e necessidade, devo dizer que o Bizâncio certamente está na última categoria, na feira das fruições, da - deixe-me chamar - feira das alegrias.


Aliás, mangando de Agostinho, confesso que duvido seriamente daquela sua categorização. É que, quase invariavelmente, a emoção (prazer) vem antes da razão (utilidade). Por exemplo: Gosto da cor azul não porque ela me dá harmonia, paz. Sim, ela me causa tudo isso, mas o faz justamente porque dela gosto! O sentimento vem primeiro, depois a justificativa.


Mas posso sim, racionalmente falando, tentar explicar porque gosto desse assunto.


Vou tentar, mas não se surpreendam se não conseguir, porque é pura maluquice o que vou dizer... Bom, vamos lá. Um dia li a seguinte frase: “Minha vida, meu reino”. Com efeito, somos reis, no sentido em que tomamos decisões que afetam a nossa existência. Daí perguntei: Que tipo de reino seria o meu? Não pude achar outro que tivesse mais a “minha cara” do que Bizâncio.


É bem como ilustrou um historiador, ao escrever sobre essa civilização: “Bizâncio de fato não era nada além de uma tentativa de aceitar e de aplicar todas as implicações da Encarnação. Certamente esta tentativa tinha seus perigos: em particular os bizantinos sempre caíram no erro de identificar o reino terrestre de Bizâncio com o Reino de Deus, o povo grego com o povo de Deus. Certamente Bizâncio estava bastante aquém dos altos ideais em que se colocava, e suas falhas foram freqüentemente lamentáveis e desastrosas. As histórias da crueldade, violência e duplicidade de Bizâncio são bastante conhecidas para serem repetidas aqui. Elas são verdadeiras - mas tão somente parte da verdade. Pois atrás de todas as falhas de Bizâncio pode-se sempre discernir a grande visão na qual os bizantinos se inspiravam: fundar aqui na terra um ícone vivo do governo de Deus no céu.”


Mudando algo aqui e outro acolá, é uma ótima descrição do meu reino. E me “enxergar” assim vem se revelando cada vez mais útil, proveitoso. Mas essa é uma outra história. Quem tiver ouvidos, que escute!